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Direito à àgua!

Por Iolanda Toshie Ide
Bolívia, ano 2000. Apesar da forte pressão contrária das mulheres indígenas, a Bechtel, empresa americana, forçou a privatização da água, inclusive tentando proibir a população de armazenar água da chuva. Nem é preciso dizer que, logo a seguir, houve uma vertiginosa alta no preço da água.

As mulheres indígenas condicionaram o apoio ao candidato à presidência Evo Morales, ao compromisso pela desprivatização da água, no prazo, estipulado por elas, de cem dias. Uma vez eleito, Evo foi cobrado, dia a dia, com as mulheres ocupando Cochabamba: a desprivatização foi realizada.

Grandes empresas multinacionais estão privatizando a água doce mundo afora: Vivendi e Suez-Lyonnaise (da França), RWE (da Alemanha), Thames Water (da Inglaterra), Bechtel e Coca-Cola (dos Estados Unidos), Nestlé (da Suíça). Em 1997, em Marrakesh, a ONU defendeu uma abordagem da água como bem econômico. No II Fórum Mundial da Água ocorrido em Kyoto, na segunda quinzena de março de 2003, já se discutiu sobre o mercado da água.

Em 22 de março de 2003, em Florença, o Primeiro Fórum Alternativo Mundial da Água, culminou com a declaração da água como um direito humano, contra as tentativas de privatização dos serviços de abastecimento e de regulamentação do chamado mercado da água. Em 21 de julho de 2010, a ONU, a despeito de posturas anteriores, aprovou esta resolução: “a água potável e segura e o saneamento básico constituem um direito humano essencial.”

No mundo, 1,5 bilhão de pessoas carecem de abastecimento de água. Por falta de acesso à água ou de saneamento, morrem por dia, mais de 30 mil pessoas. Em Florença, foi proposto o “Contrato Mundial da Água” pelo qual, as nações que aderirem, comprometem-se a não permitir que, se quer um de seus cidadãos, não tenham acesso à água potável até o ano 2020.

Nos países pobres, de cada cinco crianças, morre uma, antes de completar cinco anos de idade, por doenças relativas à água. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde), 85% das doenças relaciona-se com a água. Quando do espaço, Yuri Gagarin, como num êxtase, exclamou a terra é azul, fez-nos lembrar que as águas cobrem a maior parte do nosso planeta. 97,5% das águas são salgadas; Somente 2,5% são doces. (68,9% dessas águas doces encontram-se congeladas nos polos, geleiras e no cume das montanhas; quase todo o restante (29,9%) são águas subterrâneas.

Restam 0,9% nos pântanos, apenas 0,3% nos rios e lagos. A distribuição desse 0,3% é desigual e ameaçadora no Brasil: 70% se destina à irrigação na agricultura (principalmente grande monocultura exportadora), 20% à indústria, restando apenas 10% para uso humano e animais, ou seja, 0,03% da água doce de rios e lagos do planeta.

Na monocultura voltada à exportação, para produzir um quilo de soja, gasta-se mil litros de água: exporta-se água em forma de grão. O mesmo se diga da pecuária exportadora e da celulose. Estamos vivendo grave estiagem causada pelo desflorestamento,, inclusive, pela extensa monocultura de eucalipto e pinus. Em 7 anos se abate e se vende, mas o solo leva 36 anos para se restabelecer. Os acelerados ciclos de plantio, corte e replantio, secam as nascentes de água produzindo forte desequilíbrio hídrico que Augusto Ruschi (ambientalista capixaba) chamou “deserto verde”. É bom lembrar que o eucalipto é planta exótica, importada da Austrália, onde é proibido seu plantio em larga escala. Eis as razões pelas quais, num 08 de Março, mulheres invadiram um canteiro de mudas de eucalipto.

A mineração e empresas congêneres responde por grande parte dos outros 20% da água consumida. Parte do 0,03% da água doce do planeta, destinado ao consumo humano e animal, além do envenenamento por adubos químicos e pesticidas agrícolas do agronegócio, tem parcela já contaminada por empresas mineradoras, inclusive por metais pesados. Trata-se de importante tema que requer outro artigo.

O terrorismo a respeito da escassez da água tem sido alardeado pela Oligarquia Internacional da Água, sem se referir a cerca de 37% de água tratada desperdiçada por falta de reparos nas redes das próprias companhias de saneamento e distribuição. Por falta de discernimento, corre-se o risco de servir aos interesses das megacorporações.

Alardear sobre a escassez de água, contribui para escamotear a questão principal, ou seja, o mal uso da água priorizando interesses de oligopólios, favorecendo o agronegócio exportador (soja, carne, celulose, milho…), as megamineradoras, ameaçando o direito à vida de ampla parcela da população brasileira.